sexta-feira, 15 de junho de 2007

Morrer as vezes não é preciso



ESTA É, INFELIZMENTE, UMA HISTÓRIA VERÍDICA.

Dia 14/06/07, 04 da manhã, toca o telefone da minha casa.

Como telefonemas a esta hora sempre são suspeitos, como um atleta olímpico dei um pulo da cama e alcancei o telefone, tremendo bastante (nas madrugadas silenciosas qualquer barulhinho é um barulhão, imagina o que não senti com o telefone que disparava alucinado).

EU - Alôuuu

A VOZ - É da casa da Dona Andrea?

EU - Sim, é ela quem está falando (neste instante tive vontade de dizer à esta voz que morava sozinha, e se não fosse eu, seria certamente - e na melhor das hipóteses - um assaltante que estivesse ao telefone, mas eu estava ansiosa demais, deixei este meu lado SEU SARAIVA pra depois)

A VOZ - Então... suspiros, estou ligando pra dizer que o seu Tio MANO morreu.

EU - MORREU? COMO ASSIM MORREU? ELE NÃO TINHA NADA, NENHUM SINTOMINHA QUE INDICASSE MORTE A CAMINHO. E A MINHA TIA YOLANDA, COMO ELA VIVERÁ SEM ELE?

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A partir daí a quinta-feira havia oficialmente começado para mim.

Voltei para a cama e pensei: "vou voltar a dormir, eu ando um pouco nervosa, e acho que estou tendo um pesadelo pesado demais, misturado com sonambulismo".

Dei duas rodopiadas na cama, arregalei meus olhos e aí caí na real.

A morte, principalmente as anunciadas de sopetão no meio da noite, tem uma capacidade tremenda de me anestesiar.

Nunca tomei um remédio que conseguisse fazer comigo o que o aviso de uma morte faz.

Fico paralisada. Estática. Por minutos que parecem dias.

Vou ligar para quem? Por onde começo?

Meu Deus, é nestas horas que me cai a ficha que sou sozinha no mundo (ou assim eu me sinto, principalmente quando mais um alguém que eu amo vai embora).

É verdade penso eu, não tenho pra quem ligar. Vou avisar meus pais, mas com certeza eles já sabem e não me ligaram ainda porque querem me poupar.

Coloquei minha carapuça de super-mulher, super-advogada, super-conselheira, e lá fui eu, ainda na noite escuríssima de São Paulo.

05 AM - A primeira maratona foi a liberação do corpo do IML.

Eu, acostumada com crimes e principalmente a conviver com criminosos, não passo nem perto do IML. Se passo (quando tenho reunião ao lado dele, no Gabinete do Secretário da Saúde) viro a cara, finjo que não vi aquele edifício que só tem uma áura negra e densa.

Mas lá estava eu. Por princípios (alheios) teria que ser eu ali. A super-advogada que trabalha numa super-Secretaria, e que assim, conseguiria liberar um corpo rapidinho.

Quanto engano.

Que martírio. Voltei a achar que estava de fato tendo um pesadelo. Por instantes a idéia de ter pesadelo me pareceu tão maravilhosa que nem consigo expressar.

Voltei à realidade.

Durou "pouco" a via-sacra: em 5 horas consegui fazer o que todos esperavam que eu conseguisse em minutos, num estalar de dedos. E só consegui porque Deus colocou pessoas com muita boa vontade no meu caminho.

10 HORAS - Lá fui eu, para um lugar que naquele momento era pior ainda que o IML - A CASA DA VIÚVA

Se vocês conhecessem este casal, entenderiam meu pavor.

No momento do anúncio da morte, o que mais pensei foi na viúva. Sim, porque ela e o DE CUJUS eram unha e carne, almas-gêmeas, não se desgrudavam por nada neste mundo.... isso por longos 55 anos. Imagina o que estava por vir!!!!

10h30min - CASA DA TIA YOLANDA

Bom, fiquei com minha titia, mas também com a madrinha, prima e minha mãe (que cá entre nós acho que conseguiu uma proeza: veio de Piracaia a 200 por hora num Gol 1000 - essa é minha mãe!)

As mulheres mais chegadas da família estavam ali, naquela cozinha, que sempre foi palco de risadas, piadas, e até choros coletivos, mas sempre para uma dar um apoio a outra.

14 HORAS - Meu celular toca. Era uma ligação do meu trabalho. Soltei um palavrão, porque me senti MUITO indignada de estar recebendo ligações do trabalho naquele momento. Mas com voz rouca e fingindo compreensão, atendi a merda do telefone.

ELE - "Oi, queria saber que horas você chega, porque preciso que você tire uma ficha pra mim"

EU - "Ficha? Cacete pensei eu, que ficha que esta pessoa não conseguia tirar, uma vez que tem acesso aos mesmos sistemas de informação que eu tenho???????"
Me contive e disse "Tá bom. (rosnei um PORRA), acabei de liberar o corpo do IML, estou consolando uma viúva, estou depressiva, mas vou aí tirar a (PORRA) da ficha."

14 h às 19 HORAS - Fiquei no trabalho, e aquela ligação que motivou minha ida foi um blefe. Não era a tal ficha o xis da questão. O interesse residia num um relatório que precisava ser entregue, pois uma ALTA autoridade do judiciário iria se foder com meu parecer, e eu precisava entregar logo aquela merda.
Pô, este filho de uma puta já fez tanta cagada enquanto era juiz, será que não dava pra esperar mais um dia para a sentença final dele ser proferida? Ainda mais por mim, que nem sou do Judiciário?????

Vai ter azar assim lá longe viu.

Saí fugida do trabalho. Nem me disseram TCHAU quando eu disse que precisava MESMO ir (para o velório).

Nem preciso dizer que daí por diante foi uma maratona de choros, desesperos, quanta tristeza meu Deus.

Uma pessoa querida me ligou lá pelas 21 horas. Puxa, mas a pessoa nem quis falar comigo. E justo eu, que PRECISAVA tanto de um carinho, de atenção. MERDA.

Tem certas horas que seria muito legal se as pessoas tivessem mais sensibilidades, ao ponto de lerem os pensamentos alheios.

Como a pessoa não retornava a ligação conforme prometido (eu lembro que prometeu sim viu), retornei eu, pisei no meu orgulho e já estava preparada até pra chorar e ser tachada de doida.

A pessoa não atendeu minha ligação. Nem retornou a madrugada inteira.

Sim, não tem como deixar de passar em branco este fato, pois eu fiquei a madrugada inteira ACORDADA. Acordada e chorando eu diria.

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Eu não sei o que quis contar escrevendo tudo isso, mas estou com muitas coisas na minha cabeça, e preciso sair despejando, mesmo que ninguém venha a ler este blog por semanas a fio.

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A morte não avisa que está chegando.

Não manda nem um email sequer. Podia não informar o potencial defunto, mas que informasse os que ficarão na terra né pôxa vida. Entre uma imensidão de injustiças que a perda causa essa seria uma saída ao menos um pouco justa.

Sabe, é muito FODA como a gente perde tempo na vida com imbecilidades.

obs: Minha boca está muito suja hoje e desculpem-me as expressões de baixo calão, mas não conheço nenhum outro sinônimo que expresse fielmente o que eu queira dizer com estas super-pérolas.


Vou fazer uma faxina na minha alma.

Vou tirar (aos poucos) o que não presta da minha vida (aos poucos porque tem umas coisas que ora parecem uma praga que me rogaram, ora me lembram vírus mal tratado).

Vou me focar mais, pois não sei se amanhã esterei viva.

Talvez até trabalhe um pouco menos, faça ginástica a mais, e preste mais atenção nos carros quando for atravessar as ruas.

Vou abandonar o salto alto e assumir minha altura. Apesar que acho que não, fico biiitinha de salto alto.

Se ELE não ligar? Problema dele. Tem quem ligue, quem me valorize, quem me ache legal, super amiga, companheira, espiritualizada, etc. Ou seja, foda-se. Azar o seu, o dele, e de todo mundo que achar que me ligar é segunda opção.

Ou seja, jamais trate como prioridade quem te trata como opção.

Vou berrar a aqueles que eu amo, que de fato eu os AMO MUITOOOOO, mesmo que possa parecer ridícula, insana, drogada. Foda-se também.

Amanhã pode ser tarde pra dizer isso, e eu estou BASTANTE consciente disso.

Tem pessoas que me fazem muita falta: meus pais, meu irmão, os Gier, minha prima Nathália, o Danilinho priminho lindo, a Madrinha Raquel, o tio Ernesto, minha vó Magdalena, meu Vô Antonio, meu tio Edison, a Renata irmãzona, a Amanguinha, o fulano de tal que sou apaixonada, fora muitos outros queridos que fazem parte do meu dia-a-dia. Muitos, porque meu coração é gigante (não estou nem um pingo modesta).

Todos estão vivos, e todos os dias, daqui por diante, vou dizer a eles o quanto eles são importantes na minha vida, que sem eles minha vida não teria motivo inclusive. Seria aliás mais vazia do que tem sido, com a ausência física deles.

Sempre fui auto-suficiente, desde pequena. Hoje vejo que preciso dos outros, e que ser cuidada, ao invés de só querer cuidar, me faz bem.

Vou deixar as pessoas me amarem. Sim, porque as vezes sinto que não sou digna do amor delas.

Nunca fui materialista, e é da minha natureza não o ser.

Se já não era, agora que não tenho a menor chance de me tornar uma.

Para mim o que importa é o espírito, o coração, a alma. O que fazemos de bem para o mundo, e como o mundo retribui isso a nós.

Semeio todos os dias. Por onde passo dou o melhor de mim (como filha, irmã, amiga, companheira, aluna, amada amante, seja lá o que for, e todos os demais rótulos que me acompanham, dependendo do referencial do observador).

Sou uma amiga devotada,
Sou atenciosa,
Sou alegre,
Sou fiel que nem cachorro,
Sofro muitas vezes em silêncio,
Não exijo nada de ninguém. FREE WILL baby, cada um tem o direito nato às escolhas que achar mais razoáveis.

Estou amando mais, valorizando mais as pessoas que também me amam.

No fundo são estas pessoas, e somente elas, que podem me dar os sintomas de paz, alegria e ternura, que por inúmeras vezes depositei em mãos erradas, que não souberam fazer bom uso do meu coração.

A partir de hoje não vou sofrer pelos meus fracassos, frustrações, pois são MUITA perda de tempo.

Vou chacoalhar o mofo e sair dessa redoma.

Eu quero ser feliz.

E mais uma vez: Não ligou? Que peeeeena. O azar é só o seu. Sou artigo RARO!

E a vida passa... e de repente tudo passou, sem que tenhamos outra chance para resgatar tudo que perdemos.

E TENHO DITO.

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