terça-feira, 17 de julho de 2007

CARTAS DE AMOR



A carta escrita à mão, com local de origem, data, saudações, motivos, despeço-me por aqui, papel pautado, pelos Correios, portadores ou menino de recados. A carta, como canta o rei Roberto, escreva uma carta de amor, e diga alguma coisa por favor.

Pela volta da carta de amor.

Chega de emails lacônicos e apressados. Debruce a munheca sobre o papiro e faça da tinta da caneta o seu próprio sangue.

Não temas a breguice, o romantismo, como já disse o velho Pessoa, travestido de Álvaro de Campos, todas cartas de amor são ridículas, e não seriam de amor se ridículas não fossem.

A carta, mesmo com todas as modernidades e invencionices, ainda é o melhor veículo para declarar-se, comunicar afinidades e iniciar um feitio de orações.

O que você está esperando, vá ali na esquina, compre um belo papel e envelopes, e se devote. Se tiver alguma rusga, peça perdão por escrito, pois perdão por escrito vale como documento de cartório.

Se o namoro ainda não tiver começado, largue a mão dessas cantadas baratas e internéticas e atire a garrafa aos mares. Uma boa carta de amor é irresistível. Mas não vale copiar aqueles modelos que vêm nos livros. Sele o envelope com a língua, como nas antigas, lamba os selos, esse pré-beijo dos lábios da futura amada.

De novo Pessoa, para encorajá-los mais ainda: “As cartas de amor, se há amor, têm de ser ridículas”.
Às moças é consentido, além dos floreios e da caligrafia mais arrumadinha, a reprodução de um beijo, com batom bem vermelho, ao final, perto da assinatura.

Uma carta, até mesmo de amizade, deixa a gente comovido, como a que recebi outro dia de Fábio Victor, escriba e amigo do Recife que habita a velha e fria Londres.

Que os amigos,e não apenas os amantes, se correspondam, fazendo dos envelopes no fundo do baú as suas histórias de vida.

Pela volta da carta, que já é por si só uma maneira devota, um tempo que se tira, sem pressa, para dedicar-se a quem se gosta. Pela volta da carta, pois o que se diz numa carta é de outra natureza, é o bem-querer em tom solene.

O que você está esperando, meu amigo, minha amiga, largue esse cronista de lado e debruce-se sobre a escrivaninha. Uma mesa de bar ou de um café também são bons lugares para assentar as suas mal-traçadas linhas.

Um namoro, romance ou cacho somente à base de emails não se sustenta, mais parece uma troca de ofícios, “venho por meio desta”, uma troca de protocolos, mensagens comerciais. Um amor sem uma troca de cartas, nem que seja bem rápida, ainda não é amor... O que você está esperando? Vamos lá, cabrón, adelante chica, papel, tinta e derramamento, faz favor!


de Xico Sá - PELA VOLTA DA CARTA DE AMOR


Carta de Amor Nunca Entregue

Carta de amor nunca entregue
guarda em suas linhas maior desejo
duas línguas em um só beijo
dois corpos que se esfregam


Carta de amor não recebida
és a única verdade não revelada
guardas o nome de minha amada
em silêncio imposto pela vida


Feita em rascunhos matemáticos
seu papel não entende a agonia
daquela noite que eu escrevia
um doce sonho de menino

Carta de amor tem o meu sangue
e a vergonha de amar sem ser amado
te coloco assim hoje de lado
numa sombra

Rasgo-te sem dó nem piedade
como se o ato simbólico de rasgar
pudesse o coração aliviare trazer quem sabe liberdade
mas mesmo que a faça em mil pedaços

e ponha fogo, e coma, e jogue da janela
será mais viva que a vida de coisa viva
pelo fato de nunca ter sido entregue

E não existirá nenhum carteiro
capaz de carregar meu sentimento
carteiro é fácil, coisa difícil
é saber que não há quem possa lê-la


E como carta, cartão ou flor
são coisas de um passado tão distante
desfaço em mil pedaços neste instante
o corpo do querer


E antes que o momento me ajude
a perceber o delírio de desejar assim
me ponho triste a querer
jamais ter desejado


Mas como no vazio não há escolha

só existe a saída de dormir (a hora já se faz adiantada)

amanhã terei admitido aquilo que mais me atormenta

que o único destino que se apresenta

é ser lida por aquele que a escreveu.


Luís Augusto Angelotti Meira - Campinas 25 de setembro de 2004.

2 comentários:

  1. Poxa, que bacana,
    ver minha poesia em um blog.

    Abração,
    Luigi

    ResponderExcluir
  2. Agora eu quase caí da cadeira! Adoro essa sua poesia. Um beijo

    ResponderExcluir

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